Entrevista à VOICE MED

A presente situação pandémica faz com que estes sejam tempos difíceis e desafiantes, mas que nos deixam importantes lições que a humanidade não deve esquecer. A opinião é de Fausto Pinto, presidente do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), organismo que reúne os diretores das oito Escolas Médicas nacionais. 
O CEMP tem tido um papel não só ativo, mas, essencialmente, interventivo, no que diz respeito às medidas adotadas para fazer face à atual pandemia, aconselhando inclusive o Governo, de um modo mais direto, quanto à sua gestão. Que cenário considera que Portugal poderia estar a enfrentar, neste momento, caso o CEMP não tivesse este papel pioneiro e de alerta, a que todos temos assistido, e não tivesse sido ouvido?O CEMP tem uma caraterística importante, que é o facto de ser completamente independente do poder político. Temos uma total independência, que nos dá, talvez, a possibilidade de podermos expressar, mais facilmente, aquilo que entendemos ser relevante.
Depois, procuramos ter sempre uma atitude positiva e construtiva. Estamos todos ligados à Medicina e, por isso, temos uma visão e uma certa estruturação mental que nos faz tomar posições baseadas naquilo que são a evidência e os princípios científicos que, neste caso concreto, devem ser considerados na tomada de decisões.
Nesse sentido, a nossa postura sempre foi muito pró-ativa e cívica, uma postura que entendemos que tínhamos de ter do ponto de vista da competência formal e da capacidade de poder emanar um conjunto de recomendações que pudessem ser úteis para os decisores políticos. Nós não somos os decisores políticos, somos apenas académicos, médicos e cientistas, e achámos que tínhamos o dever de ter esta postura, tendo em conta que congregamos, nas nossas Escolas Médicas, aquilo que é, no fundo, o conhecimento e a base da Academia portuguesa na vertente médico-científica.
Portanto, foi por dever cívico e postura cívica que entendemos que devíamos agir desta forma, sobretudo quando, muitas vezes, tínhamos a perceção de que alguns dos conselheiros mais formais dos decisores políticos não coincidiam com aquilo que entendíamos ser o melhor para o País. Estou a lembrar-me, por exemplo, do que aconteceu em relação ao encerramento das escolas, à utilização de máscaras, à realização de testes de diagnóstico ou à dispensa dos dados científicos; enfim, todo um conjunto de situações em que achámos que a nossa voz poderia ser importante. Claro que, depois, os decisores políticos tomam as decisões que entendem ser as melhores, mas achámos que deviam estar na posse da maior quantidade e qualidade possível de informação, para que essas decisões pudessem ser devidamente tomadas.
E, de facto, temos visto que muito daquilo que fomos dizendo e introduzindo ao longo deste período tem sido ouvido e tem sido, de certa maneira, enquadrado naquilo que têm sido as determinações das nossas autoridades, o que, nesse sentido, nos enche de orgulho, embora essas determinações nem sempre aconteçam com o timing que gostaríamos. Mas, como diz o povo, mais vale tarde do que nunca.
Acho que temos vindo a ser bastante eficazes e positivos, mas é importante que fique claro que a nossa perspetiva é meramente científica, cívica e construtiva, contribuindo com informação que possa ser veiculada. Tivemos sempre o cuidado de veicular essa informação para todos os órgãos e autoridades, desde o senhor Presidente da República à Assembleia da República e ao Governo. Fomos sempre muito transparentes e abertos na forma como transmitimos as nossas posições, que são veiculadas, habitualmente, através de comunicados públicos.
Essas informações, nomeadamente aquelas a que a população vai tendo acesso, são obtidas, essencialmente, através dos meios de comunicação social. Nesse sentido, acha que a cobertura mediática que tem sido dada à COVID-19 é, realmente, informativa, ou há aspetos que não estão a ser devidamente comunicados e que deveriam sê-lo?Vivemos num mundo que é bombardeado por notícias, como bem sabemos. Houve um estudo recente que mostrava uma quantidade imensa das chamadas fake news na saúde, ou seja, de um conjunto de informações que não é verdadeira nem real e isso é algo que devemos ter em atenção. É muito importante, quando olhamos para uma notícia, percebermos qual é a fonte dessa notícia e qual o grau de confiança que podemos ter no agente que a transmite.
Como é compreensível, tenho tido um contacto muito grande com jornalistas e com pessoas ligadas à comunicação social ultimamente, e tenho-lhes dito muito isto: o papel da comunicação social é fundamental em qualquer sociedade moderna, mas veio com responsabilidade. Há uma responsabilidade muito grande por parte de quem transmite a informação, sobretudo para as populações, já que essa informação, quando não é devidamente transmitida, pode ter consequências menos positivas.
De uma forma geral, penso que a comunicação social tem procurado ter um papel positivo, mas, muitas vezes, a ânsia de querer, rapidamente, dar uma notícia e chegar a uma determinada conclusão, ou uma utilização indevida deste mensageiro, pode levar a resultados indesejados. E nós, nas áreas médica e científica, queremos que a informação seja difundida, mas que o seja por fontes credíveis e segundo aquilo que são as regras de uma boa comunicação, digamos assim.
Encontrar os mecanismos mais adequados para fazer uma boa comunicação é, diria eu, um dos grandes desafios da humanidade e das sociedades atuais. A Comunicação de Ciência e em Saúde é, aliás, uma área que tem vindo a sofrer um desenvolvimento muito grande, e esse desenvolvimento é crítico, porque – e não querendo ser paternalista – o facto é que uma população educada e informada quanto a estes assuntos é uma população que pode ter comportamentos mais adequados.
Esses comportamentos vão ser muito mais positivos se as informações vierem de fontes credíveis e forem comunicadas de modo apropriado, daí termos tido, também, esta abertura e transparência no modo como divulgamos a nossa informação, procurando, sempre, consubstanciá-la com aquilo que são os dados científicos que permitem fundamentar o que recomendamos.

O importante é procurarmos transmitir informação que tenha alguma base científica, sabendo nós que, nomeadamente no que diz respeito a este assunto concreto, estamos a lidar com algo incerto, recente e relativamente ao qual há uma quantidade de informação avassaladora que está a ser produzida diariamente, o que faz com que exista o risco, que, infelizmente, tem sido observado, de essa informação não ser suficientemente digerida e acabar em conclusões que nem sempre são as mais adequadas. Nesse sentido, procuramos ter um papel pedagógico, até porque, como membros de Escolas Médicas, uma das nossas funções é sermos pedagógicos. Na comunicação, essa pedagogia também é muito importante

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