30 de Maio de 2020
O Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP) vem, desta forma, manifestar a sua estranheza por ter tido conhecimento, através dos meios de comunicação social, duma alegada intenção de V. Exa em alargar em 15% o número de novos alunos de Medicina, nos cursos lecionados fora de Lisboa e Porto, a saber, Coimbra, Minho e Beira Interior. Também estranhámos o facto de não termos sido inquiridos sobre esta eventual medida, nomeadamente, quanto à existência, ou não, de condições de acolhimento deste excedente de alunos pelas respetivas Escolas Médicas, sobretudo, considerando o período de incerteza que ainda estamos a viver, face à pandemia de Covid 19, que veio criar desafios particularmente difíceis às Faculdades de Medicina, nomeadamente, nos seus ciclos clínicos.
Relembramos a V. Exa a posição pública do CEMP em relação a este assunto, em que consideramos não haver qualquer evidência que consubstancie a necessidade de aumentar o número de entradas em Medicina em Portugal, por várias ordens de razões:
1. A capacidade formativa das Faculdades de Medicina está esgotada há muito, para garantir um ensino de qualidade, quer pelas suas condições de espaços físicos, quer pela ausência de capacidade de contratação de recursos humanos que permitam um rácio aluno:tutor de acordo com as recomendações internacionais;
2. Existe uma oferta formativa atualmente mais do que adequada às necessidades do País em médicos. De facto, de acordo com dados da OCDE, dos 36 países estudados, Portugal, em dados de 2017 publicados em 2019, tinha o terceiro maior número de médicos – 5,0 por 1000 habitantes – quando a média global era de 3,5 médicos por 1000 habitantes.
3. Portugal surge em oitavo lugar (em 36) quanto ao número de novos formandos em Medicina por ano: 16,1 por 100.000 habitantes, em 2017, sendo a média da OCDE de 13,1 novos médicos por 100.000 habitantes.
4. O aumento do número de alunos irá naturalmente degradar a qualidade do ensino, sobretudo nas vertentes clínicas, dada a manifesta incapacidade de cumprir com rácios aceitáveis.
5. Importa perceber que o aumento do número de alunos não equivale a um aumento do número de médicos futuros, sobretudo especialistas. Na realidade, nos últimos anos tem‐se verificado um número substancialmente inferior de vagas para formação complementar relativamente ao número de candidatos. Como exemplo, em 2019 um em cada quatro candidatos formados pelas escolas médicas portuguesas não obteve colocação na primeira candidatura e 63% dos candidatos formados por escolas médicas estrangeiras também não obtiveram colocação na sua primeira candidatura. Assim, apesar do aumento de vagas para especialização em 2019 (1.830), houve 538 candidatos sem hipótese de escolha. Não se entende, pois, qual o propósito de aumentar o número de novos alunos que irão apenas engrossar o número de médicos sem acesso a especialização, não contribuindo, em nada, para colmatar as eventuais assimetrias na distribuição de médicos pelo território nacional, antes pelo contrário, só as agravando.
6. Manifestamos publicamente e de forma transparente, o nosso receio que, escudadas por uma lógica demagógica e irrealista, algumas estruturas privadas, sistematicamente reprovadas na suas intenções de abrir Escolas de Medicina em Portugal, queiram aproveitar este momento para fazer valer os seus argumentos demagógicos e conseguir aquilo que em tempos normais não conseguiram, por manifesta falta de condições e, acima de tudo, pela total ausência de necessidade de mais Escolas Médicas em Portugal, quer privadas ou públicas, que apenas contribuirão para engrossar o número de médicos sem saída.
Neste sentido, vem o CEMP publicamente convidar V. Exa para se reunir connosco, para que o possamos elucidar de forma adequada e com conhecimento de facto, sobre o Ensino Médico em Portugal, quais as suas fraquezas, as suas limitações, as suas necessidades e evitar, acima de tudo, que se possam tomar medidas desenquadradas da realidade, com potenciais consequências devastadoras no ensino médico em Portugal e, consequentemente, na qualidade da prestação de cuidados médicos no País.
Respeitosamente,
Pelo Conselho de Escolas Médicas Portuguesas,
Fausto J. Pinto,
Presidente do CEMP e Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa