O presidente do Conselho das Escolas Médicas Portuguesas, Fausto Pinto, teme as consequências de um antagonismo entre políticos e a comunidade médica e científica em pleno combate à pandemia.
▲Segundo Fausto Pinto, os governantes deveriam alargar também o leque de pessoas e entidades a consultar para se alcançar uma melhor gestão da crise sanitária no país
PAULO CUNHA/LUSA
O presidente do Conselho das Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), Fausto Pinto, teme as consequências de um antagonismo entre políticos e a comunidade médica e científica em pleno combate à pandemia de Covid-19.
Perante as recentes críticas que se registaram entre as duas partes, face ao recrudescimento de óbitos, infeções e internamentos hospitalares nas últimas semanas na região de Lisboa e Vale do Tejo, sobretudo, o líder do conselho que reúne a academia portuguesa na área da medicina salientou à agência Lusa que os governantes deveriam alargar também o leque de pessoas e entidades a consultar para se alcançar uma melhor gestão da crise sanitária no país.
“Era importante os políticos ouvirem de uma forma mais abrangente e não apenas aqueles por si nomeados ou que fazem parte do círculo mais fechado. Deviam ouvir ainda as academias. Era importante haver uma aliança, seria mau existir um antagonismo (entre políticos e cientistas)”, afirmou, reiterando que “ordens, entidades científicas e academias têm uma maior independência do poder político”.
Sublinhando que “a ciência não se compadece com a matriz política tradicional”, Fausto Pinto defendeu que a colaboração entre decisores e comunidade científica “é fundamental” para atenuar a incerteza associada a situações sobre as quais não se dispõe de toda a informação. “Este não é um problema político, é um problema de saúde pública. E os políticos não estão habituados a isto, não estão habituados à incerteza da ciência”, assinalou.
Mudar de vida pode ser mais fácil do que pensa
O presidente do CEMP notou ainda “alguma precipitação” no processo de desconfinamento – não só pelo “desacerto de números e de coordenação de estratégias”, mas também devido a alguma “falta de pedagogia” e um certo “excesso de otimismo” -, considerando que nesta fase “os números falam por si” e “não são nada positivos” para Portugal.
“Há a necessidade de uma maior coordenação e uma estratégia mais bem definida, sobretudo, ao nível das estruturas de saúde pública, da identificação dos casos positivos e da existência de uma rede adequada no terreno”, observou, acrescentando: “A única forma de ultrapassarmos isto é se as pessoas cumprirem as regras. Ninguém quer voltar ao confinamento, mas se isto correr muito mal pode não haver outra solução”.
Em simultâneo, Fausto Pinto reconheceu que o passo seguinte da gestão da pandemia pode mesmo passar por outros intervenientes ao nível da coordenação das autoridades de saúde. “Tínhamos todas as condições para sermos um bom exemplo e com aquela pressa toda estamos a ser agora um mau exemplo. Ficámos mal na fotografia e é preciso corrigir com as pessoas adequadas. Recorrendo a uma linguagem futebolística, às vezes são precisas ‘chicotadas psicológicas’. Albert Einstein dizia que as mesmas soluções para os mesmos problemas dão os mesmos resultados. Se calhar, é preciso haver também algumas mudanças”.
Sobre a evolução do combate ao novo coronavírus, o também diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa lembrou que são precisas semanas para ver resultados e que as decisões não podem ser tomadas em função da sua popularidade junto da população, sob pena de agravar a posição do país em relação aos demais parceiros europeus.
“O controlo vai depender muito da capacidade que as nossas autoridades de saúde e o Governo tiverem de poder enfrentar esta situação com medidas assertivas e uma boa organização, que permita no terreno a identificação das cadeias, a realização dos testes, e a pedagogia junto das pessoas. Há todo um trabalho que se não for feito de forma coordenada pode evoluir para uma situação mais complexa. Não se pode baixar a guarda”, concluiu.
Portugal contabiliza pelo menos 1.620 mortos associados à Covid-19 em 44.129 casos confirmados de infeção, segundo o último boletim da Direção-Geral da Saúde (DGS). A pandemia de Covid-19 já provocou mais de 535 mil mortos e infetou mais de 11,52 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Texto Agência Lusa