Entrevista DN
Ana Mafalda Inácio20 Dezembro 2022
Aos 62 anos, quase 40 de profissão, Fausto Pinto, cardiologista, professor universitário, diretor do Serviço de Cardiologia de Santa Maria, presidente da World Heart Federation (WHF), é um dos seis candidatos no escrutínio de 19 de janeiro. Ao DN explica o que o motivou e quais são os seus objetivos.
No programa da sua candidatura apresenta dois grandes temas. Um é ouvir todos os médicos, o outro é trabalhar no sentido de um serviço de saúde mais inclusivo. O que pretende?
Em primeiro lugar, o ouvir todos os médicos é porque não se faz saúde sem médicos, estamos no centro do que é a implementação de um sistema de saúde. E é importante que se ouça toda a classe, desde os jovens aos menos jovens, dos que trabalham em unidades de saúde familiar aos que trabalham em hospitais, para se ter a noção do que se está a passar no terreno aos mais variados níveis. Só depois disto será possível encontrarem-se as melhores soluções para a criação de um sistema de saúde moderno e eficaz. E é isso que pretendo fazer.
Mas considera que os médicos não têm sido ouvidos pela Ordem?
Gostava mais de falar em termos de futuro, uma vez que me estou a candidatar a uma posição que é para ser assumida futuramente, mas acho que tem havido, de facto, um défice no ouvir os médicos, não tanto por parte da Ordem, mas mais pela tutela. Aliás, a própria Ordem, por vezes, tem sido ignorada pela tutela. E com a minha candidatura tenho a esperança de que esta atitude se modifique. Repito, entendo que não há saúde sem médicos e que é importante que estes sejam ouvidos, são eles que estão no terreno e no dia-a-dia a lidar com os problemas do sistema de saúde. Se não forem ouvidos, podemos ter situações complicadas, de dessincronização entre o que o são as medidas da tutela e o que é a realidade no terreno.
Um dos erros cometidos pela tutela, e tendo em conta o momento que se vive no SNS – fuga de médicos, desmotivação e pressão nos serviços -, foi o não ouvir a classe?
Tem sido um dos erros, porque a saúde é o bem mais precioso para qualquer pessoa. E, mais uma vez, não há saúde sem médicos. Veja, numa altura em que se anunciam investimentos brutais em bancos, aeroportos e companhias de aviação, não se investe na saúde. Enquanto este objetivo não for encarado de forma muito clara, com verdadeiro investimento nas pessoas, neste caso nos médicos, nas condições de trabalho, nas infraestruturas, não será possível implementar um sistema de saúde que dê resposta às reais necessidades da população. O que não podemos é continuar ano após ano, e já estou na saúde há quase 40 anos, formei-me em 1984, com os mesmos problemas, ignorando-os e usando depois malabarismos políticos para os resolver. Enquanto a situação da saúde não for encarada de frente e com coragem não vai ser possível resolver os problemas do SNS.
O que quer dizer com um sistema de saúde mais inclusivo?
A tutela tem vivido nos últimos anos muito virada para o SNS, que é, obviamente, um dos pilares fundamentais para a prestação de cuidados em Portugal, mas não é o único. Temos cerca de 30% a 40% da população que tem seguros de saúde e que recorre a estruturas privadas. E o que é importante para mim, enquanto bastonário da Ordem dos Médicos, é que a prática da medicina seja feita de forma adequada em qualquer instituição, seja ela privada, pública, social ou militar. A Ordem dos Médicos tem de ser o garante de que a prestação de cuidados médicos nestas instituições está de acordo com as regras e diretrizes definidas. Este é um aspeto, o outro é que o Estado tem a obrigação de providenciar cuidados de saúde para a população, devendo utilizar todos os recursos em saúde, quer estejam em ambiente público, privado ou social, para responder às necessidades da população. A forma política encontrada para que isto aconteça tem de ser definida pelo governo. O que não se pode é ignorar um sistema que tem vários componentes e só se usar apenas uma parte. Defendo um sistema de saúde que inclua todos os componentes, para que todos os recursos da saúde sejam usados.
“A Ordem dos Médicos tem de ser o garante de que a prestação de cuidados médicos nas instituições (públicas, privadas, sociais ou militares) está de acordo com as regras e diretrizes definidas.”
Defende também uma liderança médica mais forte. Considera que a classe deixou lugares-chave que devem ser retomados para se obter melhores resultados?
Não foi a classe que abandonou as lideranças, o que tem acontecido é que têm sido escolhidas pessoas não-médicas para liderar a saúde. O que se verifica no nosso país é que a saúde é das poucas áreas em que toda gente parece ser perita. Atualmente, temos um ministro da Saúde médico, mas até agora qualquer um poderia ser ministro, secretário de Estado ou presidente de conselho de administração de um hospital, quando não se vê um ministro da Justiça ou da Economia que não esteja ligado à área. Eu entendo que as lideranças em saúde, desde a tutela aos cargos de maior responsabilidade, devem ser ocupadas por um médico, mas com competência nestas áreas. Obviamente, que todas as outras classes profissionais, como administradores, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, auxiliares, também são importantes, mas a visão para a gestão de uma unidade deve ser médica, e isto não tem acontecido em Portugal.
Também defende que o papel dos colégios de especialidade deve ser reforçado. Porquê?
Exatamente. Os colégios são uma ferramenta fundamental da Ordem dos Médicos. É nos colégios que está todo o saber e conhecimento técnico de cada uma das áreas, e devem-lhes ser fornecidas ferramentas para funcionarem de forma mais adequada e mais rápida. O mesmo se aplica aos conselhos disciplinares, que é outra das áreas que também quero reforçar. Há um trabalho a fazer nestas áreas: os conselhos são para ser respeitados, portanto também têm de se dar ao respeito. Temos de criar melhores condições para a sua modernização, funcionamento e até comunicação. A Ordem tem de investir nisto tudo.
E o que vão fazer os gabinetes para jovens médicos?
É um dos meus grandes objetivos, poder dar voz e esperança aos jovens médicos. Eles são o futuro da saúde e das boas práticas médicas em Portugal e neste momento estão muito desanimados. A Ordem tem de ter aqui um papel fundamental, tem de ser a voz forte de todos estes médicos, porque são eles que têm muitos anos de carreira pela frente. Estes jovens têm de ter a ambição de poder exercer a profissão que escolheram, serem médicos, têm de ter a ambição de poder zelar pela saúde das pessoas, e temos de lhes dar condições para o fazerem, para se fixarem e poderem desenvolver a sua atividade profissional de forma adequada. Mas vou criar este gabinete tal como vou criar outro para os médicos aposentados. A Ordem também tem de ouvir e apoiar os médicos nesta fase da sua vida. Temos de cuidar de quem nos cuidou.
O que o distingue dos outros candidatos?
Corro por mim, na minha pista, não corro por ninguém. Mas entendo que tenho condições para me candidatar a esta posição por ser um líder assumido há vários anos, quer de instituições nacionais como internacionais. Tenho trabalho feito na área clínica, dirijo um dos maiores departamentos hospitalares de um hospital público, estou na academia e faço medicina privada. Conheço o terreno e os seus problemas. E penso que esta forte experiência me coloca numa posição adequada para vir a desempenhar as funções de bastonário da Ordem dos Médicos.